sábado, 20 de janeiro de 2018

Dom Álvaro

Faleceu em Minas Novas Dom Álvaro. Era assim que Arnô chamava o parceiro de Regional.
De minha parte, considerava a alcunha simpática, já que relacionada à sua nobreza e não a algum cargo eclesiástico. 
Sim, nobre pelas qualidades e méritos, e até pelos defeitos.
(...)
Durante minha infância e juventude, era presença constante no Sobrado da rua São José. Ensaios em volta da mesa da sala no segundo andar, por entre um emaranhado de fios eram comuns. Estava além de minha ignorância juvenil, porém. Ele, Arnô, Tristão, Canuto, Dú, Heraldo, Plínio e por vezes alguns convidados ilustres (por exemplo, Dásio, Vagner) compunham aquele Regional que só vim a entender anos mais tarde, após vencer os arroubos da juventude e quebrar o ciclo da burrice hegemônica de minha geração. Um dia, num lampejo, vislumbrei o óbvio: original, apaixonante. Veio dai uma carta e a admiração mútua (o vi pela última vez em Janeiro de 2017, quando de férias em Minas Novas. Guardo com carinho um de seus livros com dedicatória e autógrafo).
(...)
É mesmo condição necessária algum estudo e maturidade, uma leitura mais sincera e elaborada da realidade, sem patrulhas, sem imbecilismo ideológico-cultural para enxergar além do mainstream. Especialmente num momento em que, como disse o Tom Martins (regente titular da OFSSP, compositor, instrumentista e bacharel em Composição e Regência pelo Instituto de Artes da Unesp), "... chegamos ao tempo em que se faz necessário provar às pessoas que a grama é verde e a água é molhada."
Depois o Tom continua o artigo dissecando o "grotesco alçado à condição de algo sacrossanto e imune às críticas, por justificativas ideológicas" que considero relevante o registro:
"Antes de embarcar na insólita investida de argumentar sobre os porquês de a música de Pabllo Vittar ser tão ruim – fato que deveria ser captado menos pelo intelecto do que pela própria experiência sensorial não racional –, serei obrigado a esclarecer dois pontos.
Primeiro, e mais importante: aqui nessas paragens, a discussão é adulta e civilizada. Qualquer acusação de “homofobia” ou correlatos será rechaçada com vigor, porque injusta com quem, como eu, cresceu ouvindo Freddie Mercury, Ney Matogrosso, Tchaikovsky, Bernstein, enfim, a lista é longa, e nunca o fato de serem homossexuais nem sequer ofuscou minha admiração e respeito a eles. O segundo aspecto é que, apesar de estudar música há mais de 30 anos, de ser regente profissional há 17, professor há 25 e de ter ajudado a fundar uma das maiores orquestras jovens do Brasil, a qual dirijo há 12 anos, falarei menos sobre música e seus aspectos técnicos do que sobre ideologia porque, afinal, é disso que o fenômeno se trata. O que vemos em Pabllo é o grotesco alçado à condição de algo sacrossanto e imune às críticas, por justificativas ideológicas."

Nesse momento, faço uma pausa e parafraseio o Tom me defendendo também antecipadamente: rechaço com vigor qualquer acusação de homofobia que por ventura algum incauto analfabeto funcional se incline a fazer. Arnô, o cantor do Regional é meu tio e homossexual. Até onde sei, isso NUNCA elevou nem diminuiu seu talento como cantor, que a rigor, NADA tem a ver com sua sexualidade. 
Disso sabia Álvaro muito antes da sapiência esquerdista ou burrice direitista inventar e explorar uma miríade de faróis politicamente corretos.

Mais que isso, trago também um trecho de um artigo do Fiuza chamado 'O mercado de causas sociais, sexuais e raciais virou uma praga, lucrativa nos balcões eleitorais': 
"O Brasil tinha 200 milhões de técnicos de futebol, mas eles mudaram de emprego. Agora são 200 milhões de fiscais ideológicos. Todos prontos para dar carteiradas solenes a cada esquina do espectro esquerda x direita – ou seja, no mundo da lua."  
(...)
Dom Álvaro foi também assim com seus comentários rascantes, num tempo em que o politicamente correto ainda não havia chegado ao estágio de imperativo categórico, como hoje. Mas suficiente para vesti-lo com a toga de radical, excêntrico, dentre outros rótulos odiosos cunhados para nivelar por baixo, igualar, tornar comum quem comunal não era. Era sincero. Bastava pra ser excomungado no senso comum das ovelhas atrás de pastor e pasto. Já tivéramos Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, tantos outros, ele sabia. Nada havia de rasteiro nos versos do Cartola, Noel, na música do Pixinga, na emoção boêmia do Nelson. Coisa boa é coisa boa, lixo é lixo, na favela ou na zona sul.
Gostava era de música boa, sem rótulo. E boa é boa e ruim é ruim, como preto é preto e branco é branco. Alma não tem cor porra!, ainda que a ciência questione a existência da alma, ou talvez por isso mesmo.
Dai ser um dos maiores da festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas. Era branco. Mas fé não tem cor porra
Sincero. Irredutível em suas crenças. Raridade hoje em dia.

Vivemos a era das amálgamas. Todos iguais, medíocres, tutelados por um grande irmão virtual, estúpido e sempre mal intencionado, embora invariavelmente travestido de boa causa prometendo a salvação do homem.
(...)
Foi-se com ele a originalidade, a polêmica, o bom gosto, um tanto da cultura da cidade.
A ele minha reverência sincera: madeira de lei, melhor, cabra bão!!! 
Que Deus o tenha Dom Álvaro, anjo da velha guarda.
Um dia nos vemos... quem sabe.

Álvaro Freire (Foto: Marina Pereira/G1) - Historiador, músico de Minas Novas ...
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