terça-feira, 1 de outubro de 2013

Puppets

Nunca tive paciência para ver a Ana Maria. Como se ela já não fosse o bastante, seu louro José ainda "poria meus neurônios no pau sem cachorro". Ai me lembrei de outros programas que abusam do artifício de botar bonecos em cena pra falar coisas engraçadas com aquela sutileza e naturalidade de um trator desgovernado no canteiro de hortaliças.
Tem a Palmirinha e seu irritante Guinho, tinha o Ratinho e seu xaropinho. Todo esse humor pasteurizado me lembra alguns filmes do Mel Brooks, que tirando o pastelão cult do Agente 86, nunca me fizeram rir.  Mas sei que o errado sou eu, afinal, o American Film Institute elegeu 'Primavera para Hitler' como uma das 100 melhores comédias de todos os tempos. Errado e mal informado, porque esse ai nunca nem vi.
Mas voltando aos bonecos de programa - honi soit qui mal y pense, me refiro aos bonecos que nada tem a ver com sexo remunerado -, parece ser mandatório ter algumas qualidades:
Egolatria - tem que aparecer mais que a protagonista do programa; ser humorista, ainda que o pior daqui até Marte; e falar feito uma matraca mesmo sem nada pra dizer.
Bons tempos aqueles em que via na TV Cultura o Castelo Rá-Tim-Bum com minhas filhas pequenas. Ainda me lembro do Godofredo, do Mau descendo pela tubulação como numa montanha russa a repetir:
- Tô chegando... Tô chegando... Tô chegando... Godofredo?!?... Cheguei.
Depois desatava a vangloriar-se de suas maldades, que iam desde lambuzar manteiga na árvore da Celeste (a cobra cor-de-rosa do Castelo), até o passeio no jardim para "amassar, pisotear, destruir todas as flores"... pra logo depois exigir do Godofredo que não desse com a língua nos dentes revelando que ao invés experimentara a manteiga, gostara e convidara Celeste para saborear pão com manteiga; e que o jardim, permanecera intacto, com as mais belas flores.
Eram todas maldades de mentirinha, ritos de um quadro num programa infantil que culminava invariavelmente na gargalhada fatal do Mau, aquela que ninguém esquece.
Fazia sentido, e era deliciosamente engraçado.
Mas hoje o que vemos é a infantilização de programas para adultos. Quando não lançando mão de bonecos, usam o funk, axé, a novela, a fazenda, a gostosona, o pânico, as redes sociais.

Do artigo 'Bebezões a bordo', por Pedro F. Bendassolli e Maurício C. Serafim FGV-EAESP, http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/4710.pdf   leio o seguinte:

Para se ter uma idéia melhor da referida inversão, vamos apresentar quatro visões até então influentes sobre o que é ser adulto. 
A primeira vem da história: na Idade Média, a criança não tinha um estatuto próprio, sendo socialmente vista como um adulto em miniatura. Isso era expresso na arte da época, como mostrado na figura abaixo. Nesse sentido, exigia-se da criança comportamentos iguais aos que se exigiam do adulto, em um fenômeno que poderíamos chamar de “adultização da criança”. Foi só a partir do século XVII que a criança começou a ser vista com características próprias, com um mundo à parte, diferente do mundo adulto no qual deveria se inserir com o tempo.
A segunda visão vem da filosofia. Ser adulto – na influente visão do Iluminismo, corrente filosófica iniciada com os filósofos René Descartes e completada por Emmanuel Kant – é desenvolver o intelecto, fazendo-o chegar à maturidade – fato tangibilizado pelo desenvolvimento do discernimento, da autonomia de idéias, da capacidade de decisão própria e da responsabilidade em relação a elas. O indivíduo idealizado pelo Iluminismo era alguém “consciente de seus pensamentos e responsável por suas ações”. Dessa forma, o homem adulto poderia ser entendido como sinônimo do “homem que ousa pensar”.
A terceira visão vem de uma tradição sociológica específica. Para o influente sociólogo Norbert Elias, por exemplo, o homem moderno surge graças ao processo por ele denominado civilizacional. Embora Elias não se interrogue especificamente sobre o que é ser adulto, empreende um brilhante estudo no qual mostra que as antigas “classes bárbaras” (pessoas “sem modos”) foram pouco a pouco se convertendo em classes civilizadas, hábeis à mesa, no uso de garfo e faca, no domínio de comportamentos públicos. Ser adulto, nesse caso, é ser alguém capaz de dominar uma determinada etiqueta social.
E a quarta visão vem da psicanálise. Sigmund Freud foi um dos primeiros pensadores a mergulhar fundo na vida mental do adulto, vendo-a como reflexo – ou continuidade, sob outra perspectiva – da vida infantil, repleta que é de  conflitos e dilemas não resolvidos. Em uma interpretação ampla da visão freudiana, poderíamos dizer que o adulto é alguém capaz de responsabilizar-se por seus próprios desejos. Alternativamente, o adulto é alguém capaz de superar a onipotência infantil, de acordo com a qual o mundo (e as pessoas nele) estaria aí a nosso inteiro serviço, pronto a satisfazer todas as nossas necessidades e a minimizar todas as nossas frustrações. O adulto seria, então, reflexo da quantidade de frustrações que, em vez de levá-lo ao desalento, o confrontaram com suas próprias limitações e o fizeram crescer.
Negação geracional. Cada uma das quatro visões anteriores sobre o que é ser adulto vem sendo fortemente subvertida na atualidade, e aqui novamente a tese de Michael  Bywater precisa ser retomada. De fato, o sintoma social de infantilização do adulto mostra que existe hoje, em grande parte de nossas sociedades “civilizadas”, uma espécie de negação geracional: os pais, os adultos, enfim as figuras de autoridade (portanto, pessoas “crescidas”), estão abdicando de seu papel. Mas por que, afinal, essa negação ao amadurecimento? 
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Gosto mais da segunda, estamos presos na Matrix porque imbecilizamos. Nossa estupidificação é patente, viramos alvo fácil da engenharia social.
Da minha parte ando buscando Morpheus e a pílula vermelha.
As vezes isso vem em forma de um bom livro, embora dure pouco...

Mas no mais das vezes não há saida fácil, e me pego revendo o Mau... sua gargalhada fatal...
Sem culpa! Imune a Ana Maria, imune ao Face.

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