domingo, 4 de outubro de 2015

2 em 1 ou: Maus Presságios

Arthur Schopenhauer conquistou um lugar entre os clássicos com O Mundo Como Vontade e Representação. Não li. Sou apenas mais um fool on the hill, confesso. Mas isso não significa que ao tomar conhecimento de alguns de seus escritos não vislumbre de imediato sua genialidade e fino estilo. Gabo-me de ter um gosto bem definido. Ao menos isso, nesses tempos de atividade intelectual circunscrita ao Face, "essa caixa de gordura da humanidade", como diria o Fred Melo, grande atleticano e cronista (coincidência quase mandatória).
Por exemplo, gosto do Russel e duvido do Rousseau, simpatizo com o Judt e desconfio do Hobsbawn. Acho Maquiavel e Gramsci uma droga, e se leio Benito Barreto também leio Graham Greene. Gosto muito dos Beatles e detesto o Scorpions, adoro Led Zeppelin e abomino Bon Jovi, e não sou nem mesmo um ouvinte acidental de sertanejo, axé ou pagode. Detesto mesmo, assim, feito criança mimada. Por outro lado, a harmonia do Toninho continua a me surpreender 35 anos depois de ouvir Viver de Amor pela primeira vez.

Pois é, após essa curta digressão falo do estratagema da homonímia sutil, da Dialética Erística de Schopenhauer: usar a homonímia para tornar a afirmação apresentada extensiva também àquilo que, fora a identidade do nome, pouco ou nada tem em comum com a coisa que se trata é either picaretagem ou burrice. Talvez ambos.
Eis então que agora alguns definem a camisa da seleção brasileira como símbolo exclusivo da corrupção na CBF. Bem, sob tal princípio, a bandeira nacional de 1889 deve ainda ser considerada um símbolo viciado do Império, já que o campo verde e o losango representavam a Casa de Bragança de Pedro I e a Casa de Habsburgo de sua esposa, a imperatriz Maria Leopoldina, respectivamente. E na verdade, a camisa de todo e qualquer time estaria irremediavelmente associada ao cartola picareta da agremiação e você, torcedor apaixonado, apenas um trouxa ao ostentar as estrelas brancas no fundo azul. Afinal, olha o helicóptero da cocaína ai perrelada. Logicazinha infantil... Portanto não se atreva a usar tal símbolo, coxinha.
Mas isso não importa. Ao defender loucamente um projeto carcomido de poder laqueado pelas utopias fracassadas do século passado, mesmo depois de todas as evidências e milhões, heróis do povo brasileiro, provas, prisões, aumentos, recessão, inflação, presumo que ainda não chegaram ao ápice de seu peleguismo.
As rotinas defensivas deflagradas após a eleição pela dificuldade em assumir o erro depois do estelionato parecem triviais agora. Tentaram ridicularizar os panelaços, já que proprietários de todas as boas causas, mas sucumbiram humilhantemente aos protestos a favor, essa modalidade de manifestação que além do DNA do fascismo denota o fisiologismo dos aparelhos ideológicos conectados às tetas do capilé estatal. Para coroar o nefasto apoio a esse novo patrimonialismo partidário inventado pela lula, usam como argumento de autoridade as pérolas de intelectuais da envergadura de um Duvivier. Mas já que ainda não chegaram ao fundo do poço, continuam atrás de sua master piece. Mas espere, pode ser que tenham conseguido: divulgaram um manifesto dos (outros) intelectuais do partido e acabaram de inventar o "hermafroditismo" ideológico, masculino feminino, situação oposição.
Nunca antes...
Continuam situação nas benesses e nas boquinhas. Oposição só no embuste, na farsa e acintosa agressão à lógica. O tal manifesto dos intelectuais do PT é a materialização dessa outrora impossibilidade fática. Atribuem a crise à invenção gananciosa dos donos do capital - como esses da Odebretch pra quem squid trabalha - e a tal solução para o fantasioso imbróglio econômico a bodes expiatórios. Da mandatária tiram qualquer traço de autonomia, como se isso, por si só, já não impugnasse sua atuação.
Faz sentido. A figura não tem mesmo capacidade para decidir coisa nenhuma e talvez esse tenha sido o único acerto da turma a favor.
(...)
Em Maus Presságios, Günter Grass através de seus personagens Alexander Reschke e Alexandra Piatkowska talvez tente expurgar um pouco de seu sentimento de culpa ao escrever:
"Não era necessário remexer no passado, porque as poucas aventuras à margem traziam lembranças inexatas ou mal ordenadas. E o fato de que ele, aos quatorze anos e meio, tivesse sido soldado e ela, aos dezessete, membro entusiasta da organização das juventudes comunistas era perdoado aos dois, mutuamente, como defeitos congênitos de sua geração; não era preciso descer a nenhum abismo; até porque ele, nos momentos em que duvidava de si próprio, dizia que tinha de lutar continuamente contra o jovem hitlerista que tinha dentro de si…"

Aos inocentes úteis de hoje também é dada tal chance. Afinal, todos erramos. Mas é imperativo rever e assumir o erro como sinal definitivo de crescimento. A realidade não nos permite ser o garoto  do Tambor (também de Grass) e deixar de crescer. A vida não é um romance.
(...)
Mas caso insistam, um alerta:
Alexander e Alexandra do romance de Grass criaram a sociedade Polono-Germano-Lituana de cemitérios como garantia aos alemães expulsos da Polônia e poloneses expulsos da Lituânia o direito de regresso à pátria mesmo que para seu último descanso, a morte (as cidades de Wilno, na Lituânia, e Dantzig, na Polônia oscilaram durante todo o século XX entre AlemanhaLetônia e Lituânia devido a disputas territoriais e guerras). Com o tempo, o que de início era uma ideia humanizadora passa a ser um investimento comercial. Os lucros que o cemitério poderia promover importava mais aos sócios que o descanso que pessoas sofridas poderiam ter, ainda que simbólico.
Alexander e Alexandra então deixam a sociedade. 
Durante uma viagem de carro à Itália, os dois sofrem um acidente de carro e morrem. 

Uma ironia: ambos são enterrados como indigentes em solo estrangeiro. Depois de tudo.


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