sábado, 18 de fevereiro de 2012

Reminiscências #2


Ando meio cansado da mesmice, por isso a produção foi afetada.
O tédio é péssimo conselheiro.

(…)

E o carnaval chegou. O tempo voa mesmo.
Tirando o fato do consumo quase obrigatório da bebida intoxicante, esse lenitivo mental que (“piormente”) faz um mal desgraçado pro resto do corpo, o mais será o de sempre:
O axé da Bahia, os sambas (?) enredo do Rio, as tolices carnavalescas dos famosos na TV, bulshit, mais bulshit, um pouco mais de bulshit.

Salvo o frevo pernambucano ainda arraigado à cultura popular e fiel ao anseios armoriais do Suassuna, o axé não me parece cultura nordestina. Seria??? Bom, só se contar como cultura um amálgama industrial pasteurizado umas 10 vezes, carregado de clichés chatérrimos.
Mas Caetano diria que isso é música baiana… como o leite tipo C, que também vem da vaca… da “vaca profana, põe teus cornos, pra fora e acima da manada”[1].

(…)

As antigas marchinhas de carnaval tinham lá sua graça. Entre elas e o axé universitário (ou seria sertanejo universitário? Ah, é tudo igual) - não me desculpe Caetano -, sou mais Dodô e Osmar.
Eram marchinhas tolas, às vezes infantis, mas colavam e representavam uma ingenuidade saudável, sem riscos.
Hoje não dá mais pra ser ingênuo, considerar a bossa do “barquinho vai, a tardinha cai…” sem pensar nesse monte de m… que nos achacam todos os dias. Caso contrário você corre o risco de ser enrab… sem nem identificar de que lado veio o Caôla[2].
Inimaginável também cantar de novo ‘Aqui Gerarda’ do Jõao Rubinato (Adorinan Barbosa para os íntimos) sem parecer um maluco de pedra. Tudo bem, essa última ganhou o concurso de marchinhas de carnaval em São Paulo, 1960, mas nem de perto é clara como o ‘rebolation’ do parangolé (minúsculo mesmo), esse sim, o bate-estaca do último ano. Afinal, quem seria Adoniran perto desse baiano bombado vestindo fantasias de couro feito um stripper do clube das mulheres ou algum macho man do Village People?
E eu teimoso grito : “É aqui Gerarda!!!”
Além disso, a Bahia não nos deu régua e compasso, mas fez melhor, deu-nos o trio elétrico de Dodô e Osmar. E é só olhar Armandinho tocando e comparar com os chicletes, com as asas e as ivetes, com todo o resto pra constatar que é tudo falso, como leitte com dois tês.
Já Armandinho herdou do pai o gosto por música boa. Já o virtuose, esse trabalhou por si mesmo transcendendo a herança paterna.

(…)

Em MN já tivemos uma C10 vermelha com umas caixas de som adaptadas em cima da carroceria e o Embrava cantando “Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu…”
A gente cheirava lança-perfume, ia para a barragem e bebia pra caramba. É bonito isso? Sei lá… mas eu só tinha uns quase 20.
Descobri depois de uma letra do Aldir Blanc que ‘Rodouro’ foi uma marca de lança-perfume muito apreciada nos carnavais do Brasil até meados do século XX, até que os foliões descobrissem que beber o líquido ou inalá-lo profundamente "dava barato".
Virou droga e foi proibido em 1961 por recomendação do jornalista Flávio Cavalcanti seguido de um decreto do então Presidente Jânio Quadros.
Na minha época já era ilegal e ao invés do lança-perfume fabricado pela Rhodia, usávamos o famoso Universitário, também da Argentina.

(…)

É envelheci, como meus pais. Hoje são meus filhos que não entendem do que estou falando.
Mas alguns leitores saberão, serão remetidos às ruas de MN atrás do trio no meio do povo, a volta inteira até a parada no largo do Sobrado de Mário, a noite toda à cata de uma moça que quisesse dividir a alegria (e o que mais viesse) contigo. O soro caseiro, a pinga com jurubeba no coité de seu Fábio... a juventude.
Perderam-se… viraram memórias.

(…)

Do ultimo carnaval que ainda guardo boas lembranças, embora também esse já distante daqueles dos meus anos 20, passamos a noite inteira na rua e já depois das 5 fomos nadar no Fanado, ali debaixo da ponte.
Acabou-se o carnaval… acabou-se até o Fanado.

Ai… só chamando o Aldir, e destampando uma cerva gelada.
O tédio é mesmo um péssimo conselheiro.

Anjo da Velha Guarda
Moacyr Luz – Aldir Blanc

O terno branco parece prata
E a fita em meu peito diz que eu sou
Daqueles que vão pra Maracangalha
Rever Anália
Eu vou
No vento que leva o chapéu de palha
Também sou de fibra e pau-brasil
O samba é tudo que eu sei
E Momo é o único rei que amei
Sou a sétima corda e passo devagarinho
Com Rodouro no coração
Meu nome em letras de ouro
É parte do tesouro de qualquer agremiação
De cuíca eu manjo
Também vou de banjo
Fiz das avenidas meu salão...
Fidalguia esbanjo
E danço com meu anjo
Eu sou da velha guarda, meu irmão!


[1] Vaca Profana – Caetano Veloso
[2] Caôla era o apelido de um tarado famoso em Morada Nova de Minas por perscrutar a cidade pela madrugada empurrando um carrinho de mão, daqueles usados nas construções. Estacionava vez ou outra próximo aos barzinhos ou baladas de onde ficava à espreita. Dizem que ao avistar um bêbado, tornava o ditado popular “C… de bêbado não tem dono” verdadeiro, sem cerimônias. Fazia o serviço no cabra e após o coito, como todo bom cavalheiro, colocava o sujeito entorpecido pela bebida no carrinho e entregava em casa. Se dava beijo de boa noite e chamava de amor não há registro.

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