segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Os iguais e os diferentes

Um dos muitos choques culturais que sofri (além da perplexidade com o respeito às normas, organização, arquitetura, etc.) quando estive fora em 2007, foi que todos lá são considerados iguais.
O que quero dizer com isso? Que o “todos são iguais” alardeado ideologicamente aqui é um engodo, em contraposição com o que vi na Europa e nos US.
Explicando: (A) Todos sim somos iguais (ou deveríamos ser) perante a lei (e aqui começa o porquê disso ser um engodo no Brasil). Diante do artigo da constituição temos todos rigorosamente os mesmos direitos de cidadão independentemente de raça, credo, opção sexual, ocupação, conta bancária ou whatsoever
(B) Todos são iguais perante Deus (ou deveriam ser - pra quem acredita).  

Qualquer coisa a mais que isso seria balela, certo??? Errado.
Exemplo: de um lado, quando deveríamos ser iguais, menosprezando qualquer diferença estamental, de posses, dinheiro, posição, aspecto físico que possa existir entre cidadãos pleiteando a mesma coisa, somos tidos como completamente diferentes, ou você acredita que o caseiro Francenildo teve o mesmo tratamento dispensado ao consultor mor do Brasil? E a fala de squid ("Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum.") sobre o autor do 'Brejal' enroscado no emaranhado dos atos secretos?
De outro lado, não sou igual a ninguém no tocante a como faço meu trabalho ou como encaro as regras e os valores. Ninguém é igual a mim na análise do que é importante, belo ou válido, embora, todavia, sejamos nivelados “por baixo” e condenados a “iguais” dentro de um grupo, empresa ou tribo,  não por vontade própria, mas pela impostura de quem manda. O objetivo então é tão exclusivamente pragmático: encarar o diferente como igual em prol da estandardização. Isto facilita o gerenciamento.
(...)
Num café na Passeig de Gràcia em Barcelona em 2007, sob um frio de uns 3 ou 4 graus, chamei o garçon que me respondeu descuidado com um aceno dizendo que me atenderia assim que possível. Depois de uns 5 minutos, irritado, como todo brasileiro estúpido que acha que garçom é a terceira pessoa depois de ninguém e está lá apenas para atender “vossa excelência” com a exclusividade que “vossa majestade” merece, ralhei com o garçom, cheio de razão e petulância.
Creio que o desprezo dispensado no Brasil aos garçons e outros “serviçais” está arraigado ao conceito de castas que ainda vigora extra-oficialmente em áreas rurais da Índia, onde o Untouchable, ou Dalit, não merece nem mesmo um lapso de atenção por ser considerado "contaminado".  É isso ou já estamos a implementar o modelo de castas do ‘Admirável Mundo Novo’ de Huxley, porque justificar isso como herança monárquica não cola, já que na Portugal de nossos colonizadores não se vê tal tipo de preconceito. 

Mas voltando à vaca fria, o desfecho da pendenga com o garçom foi memorável, embora constrangedor para mim. O garçom veio e disse clara e objetivamente, sem pestanejar, sem a menor cerimonia ou receio de patrulhamento da chefia:
- La casa está llena! Estoy ocupado y voy a servilo en su turno!
Tão simples, justo e direto como isto. Outro mito estúpido é de que o “cliente sempre tem razão”. Mentira!!! Recolhi-me então à minha insignificância - que só era “significante” porque de antemão me considerei mais que os outros - e aguardei minha vez.
O café estava perfeito, quando chegou. 

No Brasil isso seria ofensa mortal. O comensal brasileiro avalia que num restaurante ou cafeteria, qualquer pedido esdrúxulo precisa ser capturado e aceito prontamente pelo garçom sem questionamento, no tempo e do jeito que o “rei” quiser, aliás. 
E ai do pobre se a limonada vier com mais (ou menos) limão que o desejado.

Presenciei isso hoje, novamente.
Achacado por mau humor de razões desconhecidas (às vezes TPM, embora desconheça qualquer referência masculina à elevação do estrogênio ou queda da progesterona), meu colega resolveu chutar o primeiro “cachorro” que passou-lhe pela frente. Por infeliz coincidência, o “cachorro” da vez transmutou-se no garçom do restaurante (embora pudesse ser a doméstica, o encanador, o padeiro...).

Desde que chutar o primeiro cachorro avistado na rua pra extravasar frustração ou raiva vai frontalmente contra meus princípios, resolvi tomar algumas providências:
Posso até continuar a visitar o mesmo restaurante, talvez ser atendido pelo mesmo garçom, porém não almoço mais com gente que acha que o que vai mal consigo é responsabilidade alheia.
Além do mais, descobri da pior forma que papo ruim dá uma azia miserável.
A propósito, cadê aquele envelope de magnésia bisurada que comprei ontem...?

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