sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Pecado capital

"Muitos são orgulhosos por causa daquilo que sabem; face ao que não sabem, são arrogantes."
Goethe , Johann

Já citei anteriormente uma observação do Olavo de Carvalho sobre o 'princípio da abundância' aplicado à inteligência, uma espécie de antítese do princípio da escassez na economia. Ou seja, quanto menos visão e cultura, mais o maganão tem a sensação de ser o único iluminado do pedaço. 
Até ai tudo normal, faz parte do jogo, do extrato moderno onde ignorância passou a ser virtude cívica[1]. O problema é quando a soberba, alimentada por sabujos e acólitos, dinheirama ou poder sem meritocracia turva de vez a perspectiva do prodígio acerca de si mesmo, alçando-o "ao infinito e além". 
O sujeito passa a ser comparado a um deus, como se já não fosse suficiente considerar a si próprio o demiurgo criador de todas as coisas. 
(...)
A arrogância de vez em quando ataca qualquer um de nós, pobres mortais. É normal que sob a prepotência de nosso próprio - porém efêmero - sucesso, desatemos a distribuir destemperos, ofendendo, diminuindo alguns à nossa volta. Mas caso de fato haja algum resquício de bom senso, basta um evento, um único pito ou carraspana para que sejamos transportados de novo ao solo, e a queda do cavalo, embora por vezes constrangedora ou até vergonhosa, é sempre positiva. Pelo menos é como vejo, eu que compartilho da opinião do Mainardi:
"Eu sempre tive uma opinião muito mais negativa a meu respeito do que a maior parte dos meus detratores. Isso ajuda a não perder de vista a minha insignificância."

Mas nem sempre tal clarividência é partilhada por todos. O orgulho desmesurado faz com que alguns só enxerguem a si mesmos como dissemelhantes, únicos, acima de tudo e de todos. Afinal, beijados pela providência ou ungidos pela causa, mesmo quando pegos em equívocos crassos, incapazes que são de admitir a falha, reagem com mais arrogância, truculência ou simplesmente evaporam da discussão como que teleportados de volta ao Olimpo. Nunca mais falarão do assunto, ainda que instigados, como se aquilo nunca tivesse acontecido.

Esses pseudo-deuses costumam fazer mais estragos que os deuses da mitologia. Afinal, Zeus baniu Cronos para o Tártaro, após fazer vomitar os irmãos que o pai engolira. 
Já por aqui, as histórias tem menos glamour, menos nobreza, de tão reais e tristes que são. Tudo não passa de conluios, arranjos, promiscuidades e pragmatismos. E se Zeus ainda podia soltar alguns relâmpagos, nós aqui estamos mais sujeitos a apagões... de energia, criatividade e principalmente de caráter. E pior, de mitologia isso aqui não tem nada.

__________________________
[1] Millôr
Figura: A poetisa Ono no Komachi medita sobre a arrogância e a frieza que teve para com os seus namorados quando fora jovem e bela. (Ukiyo-e "Cem aspectos da Lua", número 7 de Tsukioka Yoshitoshi - 1886)

Nenhum comentário:

Postar um comentário