quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Estrangeiro

Parece que minha depressão sazonal está mesmo com as horas contadas. Cheguei ao Texas hoje pela manhã, em Beaumont pra ser exato.
Céu azul e um calor que me fez eleger esse lugar, juntamente com Valadares e Montes Claros, como uma nova sucursal do inferno (abroad).

Desta vez, “for the very first time”, depois de apresentar meu passaporte na Imigração, passei pelo constrangimento de ser encaminhado à uma sala separada onde fui submetido a uma detalhada sabatina de 25 minutos.
Isso depois de 14 entradas nos US nos últimos 2 anos. Entrada e saída, diga-se de passagem. Ou seja, nunca descumpri o acordo selado no visto nem o compromisso determinado por minha vinda, que no máximo não passava de 3 semanas. Ademais, sempre entreguei o canhoto do formulário I-94 na saída, o que entendo, deveria ser suficiente para o update da base de dados da imigração com o histórico de minha passagem - irrepreensível - pelo país do Tio Sam.

Num país com tão elevado nível de automatização (não posso dizer o mesmo dos índices de emprego e crescimento nesses tempos de crise), só reputo tal fato à gentil lady (de origem hispânica) que era a immigration officer dessa vez.
Ela falava em espanhol - mal humorada - e eu respondia no meu inglês básico. Não podia mesmo dar certo.
Pediu-me o visto de trabalho, já que eu estaria aqui “trabalhando” pelas próximas duas semanas.
- Visto de trabalho? Estarei aqui apenas por 2 semanas. Além do mais, não sou pago aqui. Sou funcionário da empresa no Brasil e meu visto de negócios deveria cobrir essa vinda para atender meetings, workshops, etc.
- ¿Usted va a trabajar acá en las próximas semanas?
- … Hmmm. Yes, I’ll do.
- Solamente puedes trabajar en los Estados Unidos los extranjeros que tienen un visto de trabajo. Espere la atrás por favor…

Só fiquei imaginando quão indolentes foram os 14 agentes anteriores que me permitiram a entrada sem maiores altercações. Sem falar da companhia, com todas as suas normas e procedimentos muito bem definidos para envio de funcionários ao exterior.
Talvez fossem todos incompetentes…

É incrível que a mesma tarefa, exatamente com os mesmos preceitos a serem seguidos, torne-se absolutamente diferente caso feita por 2 pessoas diferentes. Escrevi num artigo anterior algo sobre o tema (perspectivas) e não vou me alongar muito nisso.

Diferenças de humor, background, educação e inteligência, comprometimento e responsabilidade, fazem a mesma coisa soar bem diferente quando vinda de 2 fontes distintas.
Já experimentei isso na prática, quando anos atrás precisei antecipar todos os pedidos de carregamento para a semana uma vez que ligaríamos o novo sistema no final de semana e, portanto, interromperíamos o carregamento na Segunda e Terça da semana seguinte.
Liguei então para o primeiro responsável. Chamemo-lo de Sr Beans, que disse:
- Impossível. Me ligue depois. Vou ver o que posso fazer mas será muito complicado.

Imcomodado com tal declaração, agradeci e desliguei o telefone. Porém continuei a imaginar o porquê alguém confrontaria a data de start up de um sistema do qual não tinha a menor autonomia para mudar. E diga-se de passagem, ambos, eu ou ele, éramos "nada" diante de uma implementação nacional envolvendo alguns milhares de funcionários e mais de uma centena de consultores.
Ai me lembrei de uma frase, “a pequena autoridade exercendo o seu minúsculo poder…” Nesses momentos, e só nesses, até um porteiro de boate vira o cara mais importante do mundo, caso tudo o que você queira seja adentrar a porta que ele guarda.

Bom, esperei mais uns 10 minutos e liguei para o Sr MV para solicitar a mesma coisa, frustrada antes pelo Sr Beans.
- Olá. Aguarde na linha por favor.
Esperei menos de 15 minutos, quando então:
- Resolvido. Todos os pedidos antecipados e prontos para pré-faturar até a próxima Terça-Feira. Vou ratificar também junto aos clientes que só voltaremos a entregar normalmente na Quarta da próxima semana.

MV fez em 15 minutos, sem rodeios ou personal marketing, o que de início, sob a perspectiva do Sr Beans, seria uma epopéia comercial de altíssima complexidade e de criticidade executiva.

Mas devemos ser compreensivos. No mundo cabemos todos. Uns mais rápidos outros menos. Temos mesmo é que exercitar a paciência e aprender a ser flexíveis com tais situações. Na verdade, eu já deveria tê-las como prováveis no meu rol de possibilidades e ter de cor uma saída na ponta da língua para cada uma.
Mas que me passou pela cabeça chamar a immigration officer de estúpida, inepta e outros adjetivos não muito amistosos, isso lá passou.
Btw, nunca faça isso. Eu não fiz!

(…)

Mas pensando melhor, vai que ela está certa? Vai que um estrangeirozinho mal encarado chega aqui e prova para os nativos que pode fazer o trabalho deles mais rápido, melhor e ainda agregando valor???
Vai que prova a eles que mesmo o homem da rua de lá, de modo geral, leu o suficiente pra saber - pelo menos - que Buenos Aires é a capital da Argentina e que não se fala espanhol nos Estados Unidos (bom, tire o Texas fora disso).
Vai que o cara mostra a ela que sabe fazer conta de cabeça e nem precisa de calculadora para subtrair 11 de 26 e dividir por 2???

É… Acho que entendo agora.
Ainda bem (pra ela) que isso não é uma competição e o estrangeiro fictício não é um oponente querendo tomar-lhe o emprego.
Ela estaria certamente na rua… A menos que o oponente fosse o Sr Beans.

...Mas por via das dúvidas, melhor não dar asa ao azar, right?
- Good job lady.

3 comentários:

  1. Dessa vez eu captei pelo menos uma das mensagens subliminares... hahah, dei bastante risada com esse post

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  2. Post divertido e sarcástico na medida certa. Convivo com pessoas assim - como Sr. Beans - no meu trabalho e me pergunto sempre porque diabos estão ali fazendo o que não é de gosto? Mas, quando começo a me questionar... logo penso que o problema maior não são elas, e sim quem as mantêm ali.

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  3. É Renan, como diria o saudoso Fernando Sasso - comentarista esportivo falecido em 2005 -, "It's not mole não!".
    Mas vamos em frente...

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