segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Contenda

Vislumbrou afoito seu desafeto vindo na mesma direção. Esforçou-se para focalizar a visão já gasta e certificar-se do rosto, se era mesmo o do Jurabé.
Descompassado, o coração refletia sua arritmia por todo o corpo: mãos trêmulas, sudorese, passos trôpegos, respiração ofegante.

Na passagem da Praça Quintino Oliveira o vulto sumiu por detrás da estátua do patrono. Altino parou, meio que para prolongar a sensação de término do problema, como se o Jurabé efetivamente tivesse desaparecido de sua vida por obra daquele monumento de bronze.

Viu seus primeiros dias em Arcabouço florescerem da memória com um aroma doce, sua primeira impressão daquele arraial, vibrante como o portal do resto de sua vida.
Porém, o tempo é breve, e o Jurabé ressurgiu mais amedontrador e tácito por detrás da estátua. Era mesmo ele, sem dúvida alguma.

Caminhou...
O medo se fora agora, talvez pela proximidade ou pelo curso inevitável do destino. Altino já nem via mais o Jurabé com a mesma estatura, não era mais tão alto assim.
Já não respirava com dificuldade, nem andava com a mesma indecisão.
De repente, não ouvia mais nada e seus olhos tornaram-se o único parâmetro de sua existência.

A hora chegara. E fosse lá o que fosse, já não considerava outra alternativa. Era imperativo encontrar seu futuro naquele desfecho do qual, todavia, nenhuma solução parecia-lhe suficiente.
Dobrou sobre si mesmo e encarou o derradeiro confronto.

O Jurabé, antecipando-se, pulou com a faca em punho. Desperto, Altino esquivou-se, mas não sem um rasgo por sobre a camisa terminado num corte tranversal no peito.
Seu sangue verteu abundante vermelho, ensopando rapidamente o linho branco.

Não sentia nada. Puxou a peixeira e aguardou o segundo golpe, que veio rápido, porém menos certeiro que o primeiro. Numa outra dobra fez com que o Jurabé estocasse em branco, passando no vazio e oferecendo-lhe as costas nuas. Não exitou.
Viu a trilha de sangue. Ambos agora tinham a mesma cor, intolerância.

Por segundos tentou resgatar porque chegara até ali... em vão.
Pensou em Suzana, em suas coxas grossas por debaixo do vestido de chita, seus seios fartos e... só acordou do transe com uma estocada na barriga, da qual seguiram-se outras... tantas.
Sucumbiu, ainda a tempo de ver o Jurabé voltar-lhe o olhar febril e um sorriso de ódio, dissipando-se, logo depois, como que numa bruma leve.

Altino não via mais nada, só sentia o cheiro de mangaba, de rio, de cerrado, de Suzana.
Morria então pela segunda vez, sem a dor, sem o arrependimento da primeira. Lavava em seu próprio sangue a culpa, já velha, esgarçada pela saudade de Suzana.

Acalmou-se. Era o fim...
Fim de seus medos, angústias, de seu penar solitário, da saudade entorpecente que fizera dele apenas um fantasma de si mesmo.

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