domingo, 14 de novembro de 2010

"Ando com minha cabeça já pelas tabelas"

O celular: a esposa batera o carro. Em meio aos arranjos para remediar a situação, ainda do escritório, o instant messenger desatou a piscar, intermitente. O Gerente. Algo saira errado com o transporte da última alteraçao de sistema que mandara para produção e a repercussão no Negócio atingira o ponto das reclamações disparadas a esmo de todas as plantas, como se o mundo estivesse acabando. Antes mesmo de digerir a segunda notícia e iniciar as providências foi abordado por um colega com mais uma: todos os testes de projeto no ambiente de aceitação haviam parado em consequência das alterações que fizera num programa compartilhado. A essa altura, já não era mais possível distinguir as solicitações, hierarquizá-las, estabelecer um plano de ação e resolver uma de cada vez. Aquilo já era um estouro de boiada.

O celular tocava, o fone do escritório também, o instant messenger piscando na tela e dois, três já o cercavam em seu cubículo, falando ao mesmo tempo. Atendeu o fone do escritório e disse a quem quer que estivesse do outro lado "que chamasse o seguro, pegasse um táxi e fosse pra casa". Ao celular respondeu sem pensar "I'm already verifying this out. I'll take the proper actions, promptly. Do not worry". No instant messenger digitou peremptoriamente: "voltem pra suas mesas e me deixem procurar a causa do problema em aceitação". Levantou-se e sem dirigir o olhar ou a palavra, como se não estivessem lá, passou pelos três que continuavam a fazer perguntas atrás dele. Provavelmente nem os viu. Foi até o café. Ligou o ipod no caminho e entre "...Claro que ninguém se toca com a minha aflição/Quando vi todo mundo na rua de blusa amarela/Eu achei que era ela puxando o cordão/Oito horas e danço de blusa amarela/Minha cabeça talvez faça as pazes assim/Quando ouvi a cidade de noite batendo as panelas/Eu pensei que era ela voltando pra/Minha cabeça de noite batendo panelas/Provavelmente não deixa a cidade dormir..."[1] cantarolou com Chico.

Tomou um café, pensou na vida, voltou, sentou-se e, em 40 minutos, resolveu tudo.
O resto do dia seguiu sem maiores emoções.

Porém, mais tarde atendeu uma ligação, era o Gerente ligando do estrangeiro. Perguntado "what the hek did you mean with 'chamar o seguro'??? What did you talk to me in portuguese?", respondeu com uma pergunta:
- Sorry, what are you talking about? - O Gerente desistiu. O problema fora resolvido. Era o que interessava. Confused was, confused still.

Encontrou depois os três colegas, não ao mesmo tempo, querendo saber o que tinha feito pra resolver esse, aquele, o outro problema do teste. Se mostrou surpreso:
- O que???
Ficou por isso mesmo.

No computador fechou todos os instant messengers sem ler. Ligou pra casa e certificou-se que a esposa estava bem. Também ouviu dela uma pergunta semelhante a do Gerente, mas a questão agora era porque falara em inglês com ela.
- Como??? O que??? - Ela não se interessou mais por saber. Deixou passar. Resolvera tudo sozinha e estava exausta demais pra dar trela pra mais aquela bizarrice dele.

O dia acabou...
Colocou de novo o ipod e tomou o rumo de casa: "Quando ouvi a cidade de noite batendo as panelas/Eu pensei que era ela voltando pra/Minha cabeça de noite batendo panelas/Provavelmente não deixa a cidade dormir/Quando vi um bocado de gente descendo as favelas/Eu achei que era o povo que vinha pedir/A cabeça de um homem que olhava as favelas/Minha cabeça rolando no Maracanã/Quando vi a galera aplaudindo de pé as tabelas/Eu jurei que era ela que vinha chegando/Com minha cabeça já pelas tabelas/Claro que ninguém se toca com a minha aflição/Quando vi todo mundo na rua de blusa amarela/Eu achei que era ela puxando o cordão/Oito horas e danço de blusa amarela/Minha cabeça talvez faça as pazes assim/Quando ouvi a cidade de noite batendo as panelas/Eu pensei que era ela voltando pra/Minha cabeça de noite batendo panelas/Provavelmente não deixa a cidade dormir/Quando vi um bocado de gente descendo as favelas/Eu achei que era o povo que vinha pedir/A cabeça de um homem que olhava as favelas/Minha cabeça rolando no Maracanã/Quando vi a galera aplaudindo de pé as tabelas/Eu jurei que era ela que vinha chegando/Com minha cabeça já numa baixela/Claro que ninguém se toca com a minha aflição..."[1].

É...
A melhor explicação as vezes é...
(...)explicar coisa nenhuma.
_________________________
[1] Pelas Tabelas - Chico Buarque

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