sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Marcha à ré.

Tony Judt em 'Reflexões Sobre Um Século Esquecido - 1901-2000' foi perturbadoramente lúcido. Não mais um teórico, intelequitual de simpósios e entrevistas, mas como Orwell, alguém cuja história pessoal o credencia. Viveu pois muito do que falou e escreveu.

Em Março de 2008 foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica. Em Outubro de 2009, em consequência das complicações de sua doença perdeu os movimentos do pescoço para baixo, tendo sua morte no dia 6 de agosto de 2010. (fonte: Wikipédia)
Também da Wikipédia trago o seguinte:
A Marxist Zionist as a young man, he dropped his faith in Zionism after youthful experience in Israel in the 1960s and came to see a Jewish state as an anachronism, and moved away from Marxism in the 1970s and 1980s. In later life, he described himself as "a universalist social democrat".

É só lê-lo para constatar sua agudeza de raciocínio, método científico, sem falar no estilo, que me enche de inveja. Fino. Magnífico.

Do Epílogo do livro citado transcrevo na íntegra alguns parágrafos absurdamente oportunos:
"Os críticos do intervencionismo estatal de hoje apresentam duas acusações convincentes contra ele. A primeira é que a experiência de nosso século revela uma propensão e uma capacidade inimaginável em épocas anteriores para a regulamentação e repressão não só das pessoas como também das instituições, das práticas sociais e da própria estrutura da vida cotidiana. Agora sabemos, e não podemos ignorar aquilo que os fabianos[1], os teóricos fundadores da social-democracia, os sonhadores utópicos dos sistemas coletivistas, e mesmo os bem-intencionados defensores paternalistas da engenharia social não sabiam ou preferiram esquecer: que o Estado superpoderoso, sob qualquer bandeira ideólogia, apresenta uma alarmante e provavelmente inevitável  propensão de devorar seus próprios filhos, bem como os de seus inimigos.
A outra lição que precisamos aprender com a experiência de nossa época é que o Estado, assassino ou benevolente, é um agente econômico espantosamente ineficaz. Indústrias nacionalizadas, fazendas estatais, economias centralizadas e planejadas, comércio controlado, preços fixos, produção e comércio gerenciados pelo governo não funcionam. Não produzem os bens, e como consequência não distribuem adequadamente, mesmo que a promessa de um sistema de distribuição mais equitativo seja normalmente a base de seu encanto inicial.
Nenhuma dessas lições é inteiramente nova. Críticos do mercantilismo, no século XVIII sabiam que as economias controladas pelo Estado eram ineficientes e causadoras de sua própria ruína. Os oponentes das monarquias autocráticas, dos puritanos ingleses aos iluministas franceses e novelistas russos do século passado, todos já haviam definido os pecados e deficiências de um poder central restrito e seu efeito paralisante no potencial humano. O que o século XX nos ensina é uma versão simples e atualizada do ensinamento de Lord Acton[2]: o poder absoluto do Estado destrói absolutamente, e um controle estatal completo da economia a distorce completamente. O desastre do facismo, de curta duração, e a tragédia mais longa do comunismo podem ser citados como prova do processo conhecido de nossos antepassados, e do qual o sistema Colbert[3] e o ancien régime[4] foram precursores tímidos. Hoje sabemos que uma versão determinada do liberalismo que conceda o máximo de liberdade e iniciativa em todas as esferas da existência é a única opção possível."

Mas estamos na contramão. De mãos dados com Chávez e outros líderes duvidosos.
Do Millôr: "Dividimo-nos orgulhosamente em 60% de analfabetos, 40% de ignorantes e o resto de governantes". Por ai...

Foi Judt que morreu sem os movimentos do pescoço para baixo.
Mas é cá embaixo ("honni soit qui mal y pense", tô falando é do hemisfério sul), onde continuamos vivos, porém atacados por um tipo de 'Ataxia cerebelar de início tardio'.
Aqui tudo indica que perdemos os movimentos do pescoço pra cima... na sinapse.
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[1] Socialismo fabiano é o nome atribuído ao movimento intelectual criado pela organização britânica "Sociedade Fabiana" no fim do século XIX cujo objetivo era a busca dos ideais socialistas por meios graduais e reformistas, em contraste com os meios revolucionários propostos pelo marxismo e Socialização fascista. No poder, os fabianos dão uma maquiada na economia capitalista enquanto fomentam por canais aparentemente neutros a disseminação de idéias socialistas, promovem a intromissão da burocracia em todos os setores da vida (não necessariamente os econômicos) e subsidiam a recuperação do socialismo revolucionário. Quando este está de novo pronto para a briga, eles saem de cena envergando o rótulo de “direitistas”, que lhes permitirá um eventual retorno ao poder como salvadores da pátria se os capitalistas voltarem a achar que precisam deles para deter a ascensão do marxismo revolucionário. Então novamente eles fingirão salvar a pátria enquanto salvam, por baixo do pano, o socialismo. (fonte: Wikipédia)
[2] John Emerich Edward Dalberg-Acton, primeiro Barão Acton, (Nápoles, 10 de janeiro de 1834 — Tegernsee, 19 de junho de 1902) foi um historiador britânico famoso pela frase "o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente". Ele é conhecido como Lord Acton por ter sido o primeiro Barão de Acton. (fonte: Wikipédia)
[3] Colbertismo ou Industrialismo nasceu no século XVII e é o Mercantilismo característico da política econômica francesa. Teorizado e promovido por Jean-Baptiste Colbert, controlador geral das finanças do rei Luís XIV. Uma vez que a maior parte do comércio internacional se fazia por meio de metais, como o ouro e a prata, o colbertismo propunha que o volume de exportações fosse maior que o de importações para que se obtivesse uma balança comercial favorável. As conseqüências desta política foram um protecionismo rígido que visava, entre outras coisas,o incremento da produção de manufaturados; por outro lado, uma série de conflitos econômicos e guerras sangrentas aconteceram neste período. O maior legado das desvantagens desse tipo de política econômica foi o endurecimento das estruturas econômicas e os processos e a redução do espaço para a inovação, através de uma rede de regulamentos e de controles meticulosos. (fonte: Wikipédia)
[4] Segundo a historiografia da época da Revolução Francesa, o Ancien Régime desenvolveu-se a partir da monarquia francesa do Medievo e foi derrubado séculos depois, em 1789, pela Revolução Francesa. O poder no Antigo Regime baseava-se em três pilares: a monarquia, o clero e a aristocracia. A sociedade era dividida em três Estados: o Primeiro Estado, o clero; o Segundo Estado, a nobreza; o Terceiro Estado, o resto da população. (fonte: Wikipédia)

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